Uma no Cravo, outra na Ferradura
- Luis Manuel Silva

- 10 de jun.
- 3 min de leitura
A jubilação é um evento marcante para algumas categorias e classes profissionais ligadas às academias e à justiça quando se aposentam. O jubilado, no âmbito do serviço público, continua vinculado à instituição, mantendo títulos, honras e deveres.

Esta semana fui assistir à Lição de Jubilação de um amigo. Foi a primeira vez que fui convidado para um evento do género. Conheço um ou outro jubilado, mas confesso que nunca me preocupei em saber qual o significado da jubilação para o próprio, os amigos, as pessoas que conviveram com ele ao longo de uma vida. Sem querer ser inconveniente para os jubilados, sempre associei a jubilação a uma determinada elite de pessoas que foram perpetuando no tempo um ritual de aceitação e recompensa pelo que fizeram ao longo de uma vida de trabalho, geralmente, com funções relevantes para a sociedade e o país. No entanto, nem todos beneficiam desse estatuto com regras próprias. Muito menos outras atividades académicas, científicas e profissionais que prestaram serviços relevantes à sociedade.
Em tempos, fazia-me confusão porque é que um professor ou juiz em fim de carreira era jubilado, mas um médico, engenheiro ou arquiteto não adquiriam o mesmo estatuto em final de carreira. Por me fazer confusão, é que procurei saber por que tal acontecia. Na minha cabeça, associava o jubilado a uma alta sapiência. No caso de um professor, achava que sim, tanto mais que tive alguns que eram altíssimos poços de sabedoria: quanto mais sabiam, mais terrenos e humildes. — Que saudades desses meus queridos mestres!
Já quanto aos juízes jubilados e afins, nunca consegui associar o saber e a humildade a uma figura que via como plana e austera, principalmente, porque sempre tive uma visão bastante negativa de uma catedral de justiça bastante hermética, com vocabulários indecifráveis, mas não só: a justiça de antes dos meus vinte e cinco anos era mais injusta que justa. Depois dos meus vinte e cinco, não mudei muito de opinião: acho que a justiça funciona muito bem para quem pratica a injustiça; muito mal para quem tenta caminhar no trilho da justiça — os processos têm mais escolhos que os caminhos ínvios do Senhor.
No entanto, devo admitir que muito foi feito, mas o muito sabe a pouco. A única coisa que eu desejaria para melhorar o nosso conforto e bem estar era apenas uma coisa tão simples como isto: que os nossos governos investissem fortemente na justiça, à semelhança do que foi investido na habitação e saúde pós 25 de Abril. Se por obra e graça do Espírito Santo aparecesse um António Arnaut da justiça, teríamos um país a funcionar como um relógio de cuco suíço.
Quando procurei saber o que era, o que faz, qual a razão de ser de um jubilado, fiquei esclarecido. Espero que o meu amigo jubilado, e todos os jubilados deste país, não fique ofendido comigo pelo que vou dizer. Efetivamente, vejo os jubilados como uma pequena nata de indivíduos que prestaram serviços relevantes ao país e às comunidades onde estão inseridos. Por tal razão, merecem que em fim de carreira obtenham o reconhecimento público dos seus inúmeros contributos na tentativa, nem sempre conseguida, de melhorar um pouco a vida de todos nós. Para eles, a jubilação não é o fim do seu contributo, é o reconhecimento de que podemos contar com a sua contínua voluntariedade, agora convertida em reserva inteligente — sapiente — apta e disponível para os desafios dos dias seguintes. Precisamos deles enquanto puderem partilhar connosco a sua humildade, o seu saber, o seu bom senso. Se aos “mestres” que transmitem saberes rendo a minha incondicional homenagem; aos “justos” apelo que matem a fome de um faminto e se esforcem um pouco mais para seguir as pisadas de Arnaut. Quanto ao meu amigo que fez o favor de me convidar, não lhe desejo nada porque tem tudo: memória de elefante, grande benfiquista, contador de histórias, multifacetado, poliglota, cultura para dar e vender.... As loas são muitas e não sou a pessoa indicada para as tecer.
Quando recuperou o seu percurso de vida e o relacionou com o que se passava dentro e fora do país, principalmente, antes de Abril, e porque sou cinco anos mais velho que ele, fez-me, de repente, entrar numa máquina do tempo com as mesmas memórias e muitas mais. Só por me fazer entrar nessa máquina como seu companheiro de viagem, o meu muito obrigado.
Estou certo de que podemos contar com mais uma reserva inteligente e disponível.




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