Primeiro de Dezembro. Sempre!
- Luis Manuel Silva

- 2 de dez.
- 3 min de leitura
Há uns anos, estive num museu contemporâneo, creio que na Ásia, e fui surpreendido por um mapa com regiões disputadas, um pouco por todo o lado. A minha surpresa foi maior quando vi que no mapa constava Olivença como terra portuguesa, ocupada por Espanha. Mas também vi Gibraltar, Malvinas, Ceuta, Ilhas Faroé… e muito mais.

Para Portugal, o Primeiro de Dezembro é uma data histórica que muitos patriotas preferem — como se diz, ‘branquear’? — trocar pelo 25 de Novembro. Felizmente, vivemos num país onde é possível que cada um de nós diga o que bem entender, desde que não falte ao respeito a ninguém. Mas nem sempre foi assim. Há mais de 50 anos, por exemplo. Felizmente, ainda por cá ando para ser testemunha de uma época que acabou e que, espero, seja para sempre. No entanto, e à semelhança de quem quer dar relevo a uma data e o tirar a outra, o respeito e a tolerância também começam a faltar. Se o Primeiro de Dezembro nos devolveu a liberdade, como nação, o 25 de Abril devolveu-nos a liberdade enquanto seres individuais.
Podemos dizer mal dos emigrantes, expulsá-los, mandá-los para a terra deles; e também temos a liberdade de esquecer por onde andamos, o que fizemos, como fomos tratados. E como temos a sorte de viver num país, onde é possível dizer tudo — e já agora, ter pobres — também podemos pedir perdão e desculpa, reparar o mal que fizemos ou deixámos de fazer. Até de pedir, indignado e sonoramente alto, desculpas na Assembleia da Républica. Melhor fora que pedisse desculpas por não contribuir eficazmente para a riqueza dos seus, que somos nós.
É um modismo que se instalou na incapacidade que os olhos de hoje têm para compreender que para os processos históricos, bem ou mal conduzidos, não há fórmulas eficazes de reparação, nem pedidos de perdão e desculpa a fazer. A história é o que é, e se alguém pensa que vai ficar isento de um pedido de desculpas futuro, desengane-se. Iremos levar com o mesmo martelo com que estamos a bater nos nossos avós.
Com a mesma facilidade com que pedimos desculpa, condenamos. E não é só em Portugal. Foi o pecado dos nossos avós que permitiu desenvolver uma consciência de culpa transversal a toda a humanidade. Como vamos perdoar ou pedir desculpa das guerras passadas, das colonizações, das escravaturas, das múltiplas formas de prostituição de todos os géneros, da subjugação dos povos, do abuso das crianças, do aproveitamento das mulheres, do exercício dos poderes individuais e coletivos, das etnias fragilizadas, das religiões castradoras ao longo dos séculos… se todos os povos fizeram as mesmas coisas, em maior ou menor grau, e ainda continuam a fazer?
A humanidade evoluiu. Para melhor? Sim. Mas parece que tem saudades do machado de pedra. Que o digam Gaza e a Ucrânia. Que o digam os poderes morais e religiosos dos que apoiam. Que o digam as inúmeras guerras despercebidas e a decorrerem um pouco por toda a parte, com centenas e milhares de mortos e esfomeados que todos ignoram. A começar por quem tem o dever de informar.
Evoluiu para melhor? Sim. O machado de pedra só matava um de cada vez. Quando o braço se cansava, descansava.
O machado de pedra de hoje, quando mata, é às dezenas e centenas. E nunca se cansa. Quando se cansar, talvez não haja cá ninguém para lhe dar uma panaceia.
25 de Novembro ou Primeiro de Dezembro? Se tenho de perdoar ou pedir desculpa, peço a quem? As datas não são equiparáveis. Mas há quem não pense assim: acha que o primeiro é mais importante que o segundo. No entanto, é por causa do segundo que pode dizer que o primeiro é mais importante. Nem o 25 de Abril é mais importante que o Primeiro de Dezembro. O 25 de Abril deu-nos as liberdades particulares. Cada um de nós tem liberdade para mandar embora os emigrantes, e, já agora, deixar que as mulheres continuem no mesmo “rame rame” de sempre. O primeiro de Dezembro deu-nos a liberdade universal: o direito de ser povo e falar português. E porque não? Conceder ao primeiro ministro o direito de faltar aos festejos da nação libertada.
Será que devo pedir desculpa aos castelhanos por falar português? Acho que os palestinianos e os ucranianos não têm dúvidas. Nós é que duvidamos deles.
Só há uma forma de perdoar e pedir desculpa: mudar o que está mal, aperfeiçoar o que está bem, lascar o machado de pedra.
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