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Palestina

  • Foto do escritor: Luis Manuel Silva
    Luis Manuel Silva
  • 29 de jul.
  • 6 min de leitura


Não queria voltar à Palestina, mas o que se passa por lá perturba-me e não posso assobiar para o lado. A reflexão que se segue é um grito contra a indiferença e contra os poderes que perpetuam a barbárie. Não é dirigida ao povo judeu — é um protesto contra lideranças cúmplices e silêncios imperdoáveis.



Palestina
Palestina


Devo esquecer e passar ao lado das guerras? Impossível.

Quem passou por elas e as viveu carrega um fardo para a vida. Aqui há tempos, num pequeno grupo de convivas, num almoço de antigos camaradas — o tempo não perdoa e aos poucos leva um de cada vez —, um deles questionou: tenho curiosidade em saber se vocês falam de África com os filhos ou amigos. Resposta pronta: e achas que alguém que não tenha passado pelas mesmas experiências que nós compreenderia ou saberia do que falamos? Deixa-os andar e quanto menos souberem, melhor para todos.

Pela minha parte, é um assunto fechado, principalmente com familiares e amigos. Entre combatentes do mesmo batalhão e outros, ou simplesmente desconhecidos que ocasionalmente se encontram e passaram pelas mesmas experiências, é sempre um assunto aberto. Dois anos de ultramar e experiências, ainda que os mais felizes não tenham passado pela selva, mato e combate, não se esquece. Uma juventude que passou meses e anos a fio pelo cu de judas, ou permaneceu nas cidades, esteve sempre em guerra. Estes não tiveram o contacto das armadilhas nos espaços sem fim, mas conheciam a realidade pendular entre a vida e a morte. Tinham familiares e amigos que andavam por lá; contactavam os que vinham à cidade por curtos períodos de um, dois ou três dias em missões de logística; sabiam que os hospitais militares estavam povoados com todo o tipo de doentes, feridos e incapacitados para a vida; e, acima de tudo, os erros e a indisciplina eram premiados com missões de limpeza no interior ou estadias permanentes nas frentes mais complicadas de guerrilha. A chamada guerra santa das cidades, não era tão santa quanto isso. Melhor ou pior, todos percorreram os corredores da incerteza.

Da experiência que tenho, acredito que não há ninguém que dê mais valor à paz e à justiça do que um ex-combatente. Até nos filmes se vê isso.

Felizmente que vim do ultramar sem grandes traumas. As cartas e o prazer que tinha em escrevê-las suavizaram-me os dias. No entanto, quando cheguei, a primeira pessoa que me disse que não era o mesmo, foi a minha mãe. «Que é que esses filhos da puta te fizeram, meu filho? — Nunca dizia uma asneira!» Para mim foi um choque, mas acredito que para quem me conhecia o choque foi maior. Na linguagem dos que regressavam, continuávamos cacimbados. Desde então fazia os possíveis para passar ao lado das guerras globais. Chegava-me a minha. Os anos passam e aos poucos entramos na realidade das guerras e genocídios. Desde que vim de África, aconteceram muitas guerras e uns tantos genocídios tribais e nacionais. Até no seio da europa. Todas me marcaram. Mas nenhuma me marcou tanto como as guerras da Ucrânia e Palestina.

Não há desculpas para um país que invade outro. Nada justifica, apesar das ações do HAMAS, o que se passa em Gaza. Só a inépcia das nações é que o tolera. Uma nação, se justa, democrática e livre, não pode ter duas justiças antagónicas: uma para condenar, outra para sancionar. O que se passa em Gaza está ao mesmo nível do que se passou em Auschwitz, Treblinka e outros campos de concentração e abate. Enquanto os campos alemães duraram poucos anos, o grande campo de concentração da Palestina vai fazer oitenta em 2028. E isto perante a passividade das democracias ocidentais. Como é possível que as nações tolerem e sancionem um antigo e gigantesco campo de concentração, metade da Palestina, sem fazerem, rigorosamente, nada? Quem serão os terroristas, os palestinianos ou as democracias justas e libertárias do ocidente, anestesiadas pelo que se passa no Médio Oriente? Poderei eu, poderemos nós, confiar nas nossas lideranças adormecidas e permissivas?



Vítimas severamente desnutridas em diferentes contextos históricos
Vítimas severamente desnutridas em diferentes contextos históricos


As imagens das fotos e pequenos filmes dos campos de concentração alemães perturbaram-me sempre e quase as achava inconcebíveis. No íntimo de todos nós, há uma predisposição para a maldade pura e dura, para o sofrimento incomensurável. Foi a consciência do poder da maldade do homem que me permitiu nunca duvidar das imagens dos campos de concentração. Nelas estão exibidas, não pessoas, mas esqueletos com grandes olhos, apáticos, vestidos de pele por cima do osso. Se isto não fosse dramático, seriam belíssimos exemplares de estudo para os laboratórios universitários.

Em que é que as imagens que nos chegam de Gaza são diferentes de Auschwitz? Eu diria que em nada. Os mesmos homens que inventaram os campos alemães são os mesmos homens que criaram o campo da Palestina. Os processos de abate, tirando os fornos, são os mesmos, mas mais evoluídos: fome, armas inteligentes e desumanização dos soldados. A cegueira e a indiferença ocidental continua na mesma, tal como o foi nos anos trinta e quarenta. Mas há duas pequenas e visíveis diferenças para acalmar as democracias. A primeira é estética: as fotografias são a cores. Quem não gosta? A segunda, centenas de camiões de géneros de primeiríssima necessidade estão às portas de Gaza para serem entregues. Só não o são porque a ONU e as organizações de socorro humanitárias se recusam a ir buscá-los para alimentar os esfomeados. A culpa é deles. Entretanto, como não tinham ninguém para matar a fome a tanta gente, os matadores conluiaram-se com uma organização humanitária americana para distribuir e matar a fome aos esfomeados. Para o sistema ser eficaz e ordeiro, quando os esfomeados entram nos curros, desordenadamente, para serem alimentados, atiram sobre eles e matam uns quantos para que se organizem metodicamente. Ordeiramente, é mais fácil abatê-los. Até os jornalistas e os socorristas, sejam eles quem forem. Que eu tenha conhecimento, Hitler não fazia isto: ou definhavam à fome ou eram encaminhados para os fornos. Outra vantagem dos campos de Hitler: só duraram poucos anos. O da Palestina dura há oitenta! As mesmas nações que fecharam os campos de Hitler são incapazes de fechar o campo da Palestina?!

Os camiões continuam à espera da ONU. Como não saem nem vão alimentar os esfomeados, conclui-se que não há fome em Gaza, é uma invenção dos inimigos das forças do bem. O que se passa é uma maldade do HAMAS e dos nossos amigos que lutamos por eles.

E vós, judeus de todo o mundo, que se passa convosco, que mudos estais? Sereis coisas ou seres inimputáveis? Tereis vendas nos olhos, andais anestesiados, estareis empedernidos pelas lembranças do passado? Um vírus do Médio Oriente atacou-vos e devolveu-vos, repentinamente, ao analfabetismo e à surdez do que se passa? Os laços que vos ligam à região são tão poderosos como os laços dos colaboracionistas judaicos ao nazismo? Estará escrito na Torá, que tanto vos regula, que podereis punir um crime com outro, multiplicado por mil? Ou será que o movimento pendular da vossa cabeça no muro vos atrofiou os sentimentos e as emoções?

Nos anos 70 houve um concerto a favor do Bangladesh, nos anos 80 o Band Aid e Live Aid a favor da Etiópia. Foram concertos promovidos para gritar bem alto o que se passava, acordar consciências politicas adormecidas, fazer a Paz e angariar dinheiro para matar a fome. Foram organizados pelos maiores nomes da música da altura e não só. Por não poder falar de todos, lembro 3: George Harrison, Phil Collins, Queen… Pergunto: que se passa com os grandes nomes da atualidade que mobilizam milhões pelas redes sociais? Numa altura em que era difícil organizar e juntar, tudo se fazia para mobilizar gentes sonantes para uma causa justa e humanitária. Será que os nossos artistas, seguidos por milhões, se desumanizaram, perderam a noção das causas justas e humanitárias? Sei que alguns estão envolvidos em causas solidárias, caso de Taylor Swift, Bad Bunny, The Weeknd (Abel Tesfaye)… É louvável que o façam de uma forma mais privada que troante. Mas não seria melhor juntarem-se todos, soprarem os instrumentos, mobilizarem o mundo para uma causa degradante e humilhante para todos nós? Vivem-se momentos que não se compadecem com a humildade. É preciso fazer troar as vozes, ligar os holofotes, apontar o que está mal no mundo, punir as lideranças permissivas e assassinas, a começar pelas dos países “livres”, “justos” e “democráticos”. Hoje com a Palestina e a Ucrânia… Amanhã será connosco. Quando nos bater à porta, que faremos?

Sou um solitário e pouco posso fazer. Mas faço. Faço o que está nas minhas mãos. Quando ia às compras, tirava da prateleira e atirava para o carrinho. Agora não: mais do que ver as calorias, interessa-me a origem do produto. Se me agradar, compro, se não me agradar, espero que o próximo faça o mesmo. É pouquinho, mas se todos estiverem atentos à origem do produto, pode converter-se numa bola de neve para a economia dos países agressores. Uma ação destas não pode durar enquanto dura uma guerra, tem de permanecer durante o tempo suficiente para desencorajar as políticas assassinas de países assassinos. Os cidadãos terão de sofrer na pele para aprenderem a escolher melhor as suas lideranças. O silêncio também é escolha. E há escolhas que pesam uma vida inteira. Nas nossas e dos nossos semelhantes

Nota final: por ser mais difícil, ainda não mudei de plataforma no meu site. Mas vou mudar, quando chegar a altura certa.



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