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Excerto do novo romance de Luís Manuel Silva

  • Foto do escritor: Luis Manuel Silva
    Luis Manuel Silva
  • 28 de out.
  • 3 min de leitura


Afonso de Albuquerque — segundo governador da Índia — foi nomeado secretamente pelo rei com uma missão ambiciosa: dominar os mares, erguer fortalezas, garantir o carregamento das naus de especiarias.

Mas o homem ultrapassou o governante.

O texto que se segue, parte do meu novo livro a publicar brevemente, mergulha nas aventuras e contradições de Afonso de Albuquerque — estratega, sonhador e homem dividido entre o dever e o destino.



Albuquerque contempla o horizonte que reflete o peso da missão e a solidão de quem serve entre o dever e o destino.
Albuquerque contempla o horizonte que reflete o peso da missão e a solidão de quem serve entre o dever e o destino.


Retirou-se para a Quinta do Paraíso, à espera de nova oportunidade para regressar. Convidava e recebia todos quantos tivessem estado na Índia, informando-se das realidades, estudando relatos de Marco Polo, Alexandre, Pêro da Covilhã, judeus e outros. Essa febre de conhecimento refletia-se nas estratégias que viria a aplicar nas missões seguintes. Albuquerque e o rei falavam frequentemente sobre a Índia, a que se juntava a rainha Maria, o secretário Duarte Galvão e outros. Entre eles, estabeleceu-se uma corrente de simpatia e interesses comuns. O rei, após longas conversas e ponderações, decidiu nomear Albuquerque secretamente para governador da Índia, temendo intrigas e resistências entre os oficiais. O mandato só seria revelado no momento certo, para evitar sabotagens e garantir a transição de poder, após o termo do mandato do vice-rei.

A partida estava próxima. Na véspera, por baixo da milenar oliveira, estavam a irmã, Isabel de Albuquerque, Joana Vicente e o filho Brás. As duas mulheres observavam-no e respeitavam-lhe o silêncio. Ele observava as terras da quinta, as águas do Tejo.

— Jamile, já tratei com o rei o reconhecimento de Brás, será tratado como meu filho e herdeiro…

— Que vai ser de nós? Esta tua ida para a Índia vai ser diferente da primeira — disse Jamile —, vais para durar, talvez dez anos, quem sabe para ficar ou morrer?

— Vai ser diferente, mas não ficais desprotegidas. Caso me aconteça alguma coisa, deixo o meu testamento feito… Fica tranquila, ficareis bem. Isabel, confio em ti para tomares conta de Jamile e Brás.

— Fica descansado que será bem-educado, como se fosse meu filho. Joana será a minha querida irmã, protegemo-nos uma à outra.

— Nunca mais te veremos — disse Jamile —, esse teu ímpeto guerreiro vai deixar-te na Índia…

— Sossega e cuida bem de Brás, quando chegar, irá comigo ao rei para…

— O caminho das naus da Índia tem pouco mais de cinco anos… - interrompeu Jamile — Está tudo tão no início… O rei tem muita vontade de ir a Jerusalém e tu alimentas-lhe essa esperança… Tu, meu querido, vais morrer, pela certa. Se não for em combate, será pelas intrigas… Ninguém está seguro nestes tempos que correm. Quando se te mete uma ideia na cabeça…

— Jamile, minha querida, quem está ao serviço do rei presta-lhe um juramento de lealdade. Nesse juramento vai a vida daqueles que o servem. Se tiver de morrer, morro em serviço, mas vós ficareis protegidas, disso me encarreguei no testamento que deixei ao rei. Ele cumprirá com a minha vontade.

— Já tens piloto? — perguntou Isabel.

— Esse desgraçado matou a mulher e fugiu para Castela!

— Quem leva a nau?

— Eu… Não tenho tempo para arranjar piloto capaz, a Santiago será levada por mim.

Albuquerque despediu-se das duas mulheres e do filho, por entre beijos, abraços e promessas de regresso rápido, consciente de que aquela partida poderia ser definitiva. A idade, as dificuldades, a missão, a vida de mar e as duras batalhas em terra conspiravam contra o regresso. As lágrimas, um sentido beijo na mulher, um forte abraço na criança, empurraram-no para a fragata que o aguardava no amarradouro. O mestre avistou-o e deu início à soltura das amarras. Içou a carangueja e vogaram suavemente pelas águas do Tejo, aproveitando a vazante e algum vento. Enquanto a fragata deslizava pelo rio, Albuquerque observava com atenção redobrada a vida nas margens e nas águas: aves, peixes e golfinhos pareciam despedir-se também. A dias de partir, olhava para tudo isto com mais atenção do que o habitual, como se visse pela primeira vez. Sabia que cinquenta e seis anos, mais cerca de dez de missão, eram anos demais para viver e regressar de uma missão incerta.


Entre a História e a ficção, Afonso de Albuquerque reaparece como homem de carne e contradições — herói e refém da própria missão.


A publicar em breve.



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