A Cristalização na Governação
- Luis Manuel Silva
- 20 de mai.
- 4 min de leitura
Texto do meu livro “O Futuro Põe-se Ao Pôr do Sol”
O texto que se segue, d’O Futuro Põe-se ao Pôr do Sol, descreve a realidade do país de 24 de Abril. Passados 50 anos, verifica-se que ainda há muito por fazer. A fuga dos mais novos é consequência da inépcia governamental.

O país mudava e mudava muito! Só o regime é que não: cristalizara. Alguma coisa corria mal. Um país em guerra com uma guerra maior que o país; um país donde fugiam os melhores e os mais experientes homens para a Europa; um país donde eram enviados os mais jovens para serem sangrados em África; um país onde só havia crianças, falsas viúvas e velhos; um país onde as mulheres, pela força das circunstâncias, eram uma força revolucionária que emergia da estagnação dos tempos, sem que ninguém se apercebesse, ou apenas poucos o percebiam; um país que, apesar de tudo, mudava, mas não mudavam os que nele mandavam, era um país cansado à espera de cair de maduro. A televisão, ainda bebé, de cueiros, mostrava nos curtos noticiários de regime quão maduro estava! Só precisava de um abanão... Algo estava mal... Um país não podia ser governado por homens que nunca morriam.
Se é verdade que os jovens, com paixão e ímpeto para a criação e realização, precisam de experiência, passada a fogosidade da juventude, têm maturidade para chamar a si a responsabilidade da administração, qualquer que ela seja, pública ou privada; também é verdade que aos velhos, velhos demais, embora com experiência, falta-lhes o génio da rebeldia que conduz à transformação. Cristalizados no tempo, têm medo da mudança, assustam-se com ela, são uma força de bloqueio: a brevidade da vida inibe-os e atira-os para o conforto conservador do conhecido. Nesta fase da vida, o melhor serviço que ainda podem e devem prestar à sociedade é retirarem-se com dignidade. O seu papel é, porém, importante. Como conselheiros, podem temperar os ímpetos da mudança, promovendo uma transição suave e pacífica. As três idades da vida podem promover o progresso e a mudança harmoniosa do país, se for criada uma cultura de compatibilização e oportunidades para todos, para que frutifique.
A juventude da primeira idade, até aos trinta, é fogosa, impetuosa, prestável, disponível, e tem necessidade de criar, pôr em prática, realizar e aperfeiçoar, nem sempre com os melhores resultados, mas sempre idealista e generosa. Na maturidade, até aos sessenta, impera o saber, não só o que de experiência foi feito, disse o poeta, mas também aquele que vem do estudo, do risco calculado, do corrigir o que correu mal. Se não for ambicioso e egoísta, não destrói o que está mal para construir de novo com avultadas perdas de recursos humanos, materiais e temporais. Vê nisso uma oportunidade para corrigir e aperfeiçoar: introduzir transformações adequadas para rentabilizar os processos e deste modo gerar riqueza para construir o futuro de todos.
Um processo, por muito ruim que seja, tem sempre aspetos positivos. Manda a inteligência, o bom senso e a maturidade que se mantenha o que está bem; se procure soluções para o que está errado. É uma das regras básicas da boa administração sem esbanjamentos económicos. A maturidade, porque é jovem, tem sonhos. Quer o melhor para si e seus filhos, em formação, porque acredita no futuro e tem o dever moral de o acautelar para si, os seus e a comunidade onde se insere: o público e o privado. Quando olha para o futuro, vê-o longe, está longe, tem tempo para o acautelar com soluções práticas, simples, rentáveis, sem desperdícios de meios.
Todos aqueles que vão para lá dos sessenta anos têm uma riqueza de vida acumulada com anos de experiência. A menos que sejam altruístas, a brevidade da vida atraiçoa-os. Faz parte da vida a acomodação, mas também o saber do deixar fazer. Contudo, a virilidade das forças não ajuda nos projetos de mudança. Por muito longa que seja a vida, as forças não a acompanham, as ideias também pregam partidas. O raciocínio não é rápido e as semanas começam a ser curtas: uma de cada vez. As armadilhas da tentação e do fim que se aproxima conduzem-nos a privilegiar os seus e os que lhes estão próximos, esquecendo-se do coletivo. Cometem erros, as injustiças acumulam-se, colam-se ao poder, julgam-se perpétuos. Por muito saber que tenham, não aprenderam a lição milenar da degradação e queda.
Se a juventude é a paixão e a maturidade a degustação, a idade devia ser a temperança.
A administração de um país necessita dos três como do pão para a boca. Paixão, degustação, temperança. Assim se constrói uma sólida empresa com futuro, assim se conduz um país com cidadãos dignos, que confiam nos seus condutores.
Um administrador ou ministro jovem é um impulsivo de extremos que muda ao sabor dos seus apetites: chamado ao exercício do poder, jovem demais, convence-se de que tudo é possível, sem que tenha tido tempo para aprender o exercício da frustração, do erro, da humildade para pedir desculpa. A culpa não é dele, é de quem o chamou e o transformou num pavão impante de prepotência. Nem as penas, por mais bonitas que sejam, lhe dão humanidade. Pobre ilusão! Bajulador de bajuladores! Promovido a promotor de vaidades, triturador de disponibilidades desinteressadas, castrador de ideias criadoras que pelo caminho vão ficando, nem consciência tem da riqueza destruidora que vai semeando para alimentar o ego.
Se for velho, é a incapacidade da empresa ou país que não vê soluções nos maduros para a mudança. Uma empresa ou país que não tem gente madura para substituir os mais velhos ou, pior ainda, que vai buscar os mais velhos para conduzir os mais novos, é um país sem soluções, esgotado, sem recursos.
Via-se isso nos pequenos noticiários de regime, na televisão, a preto e branco, sempre que a União Nacional, o partido do Governo, era motivo de notícias através dos seus membros. Fosse de verão ou de inverno, notava-se que a tela se cobria de geada, e, através dela, uma película de gelo cristalizava a nação, queimando e destruindo tudo o que germinasse. O país apresentava-se esgotado de novos, saturado de velhos, encontrava-se num impasse, não tinha soluções. A pele enrugava-se, os olhos permaneciam mais fechados que abertos, os corpos deixavam-se cair de maduros, a nação apodrecia.

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